Em algum lugar

(...) estava concluindo meu Ensino Médio. 
Lembro com saudades daquele período e também tenho saudades daquela turma de colegas e amigos. 
Mesmo sentando sempre na primeira fila, me entrosava bem com a turma do fundo. 
E nessa turma havia um que me impressionava, mesmo sem  ter muito contato pessoal.
Podia assegurar que ele tinha um dom ímpar e divino. Ele escrevia de tudo. Eu via aquela mão fazendo escritos que pareciam livros. Escrevia belas poesias nos intervalos das aulas, à pedidos, e em troca,   sempre recebia algo para comprar seu lanche. 

Ele chegava sempre muito sujo, com fome e sem material, e por essa razão sofria muito com a arrogância preconceituosa de alguns outros colegas .Também, não era um aluno muito assíduo e assim, nunca sabíamos se iria voltar no dia seguinte.
Por isso, dias se passaram sem que ninguém da escola soubessem de nada. Apenas acharam estranho o seu desaparecimento.
À ser reprovado por faltas , a professora pediu - me para avisá lo. 

Ele morava alguns quarteirões da escola, e para chegar em sua casa, tinha que passar por um grande terreno baldio, tomado por um capinzal. 
Me pareceu uma região muito pobre e violenta. 
Não onde morava exatamente, mas o seu entorno. 

Tentei conversar e explicar o motivo de minha presença , mas ele não quis me ouvir. 
Infelizmente, a realidade dele era outra. 
Ele cuidava de sua mãe muito doente. Que, pouco tempo depois,  faleceu.  E  o dinheiro que ganhava, fazendo uns serviços extras de ajudante de marceneiro , usava para comprar drogas (...)

(...) foi preso por tráfico... 

E hoje eu estou aqui , na Penitenciária,  participando de um Workshop e Oficina de Criação Poética para presos. 
Em pé onde estava, segurava entre suas mãos, como se segura um pássaro sem asas entre elas, uma poesia numa folha de papel. 
Ele a olhava sorrindo. Sorriu para mim e me entregou...

 " A imensidão do vivido
   Se fortalece.
   Vejo remoto o ontem           próximo.
   Sei que há tanto que           passou
   Há tanto que virá.
   E que em algum momento
   De algum lugar                 perdido.
   Na penumbra da            madrugada solitária
   Encontrarei tudo que           eu perdi..."
  
   "Esse conto é uma ficção, Qualquer semelhança com fatos ou pessoas é uma mera coincidência..."Ou não!
  Repaginada
  Imagem:Google
 
15 à 17/Novembro/2013